domingo, 21 de dezembro de 2008

Acreditar sempre...

Acho bastante interessante ao escutar algumas pessoas reclamando da vida que leva, de seus problemas.Interessante,porque não as vejo nada fazerem para mudarem esse contexto.Até querem fazer diferente,mas a falta de determinação,as vezes,as fazem recuarem na primeira tentativa.E foi observando a vida de cada um,seus problemas,suas mazelas...que me determinei a usar aquilo que não me fazia bem,como combustível para mudar minha vida.

Voltando no tempo,em 1962, aos 29 dias do mês de março, eu, nascia em uma pequena cidade do interior bahiano. Tive uma infância normal e cheia de aventuras como qualquer criança em uma cidade interiorana. Férias na Fazenda, brincadeiras de roda e pega-pega, banhos de rio, passeio na pracinha, domingo no parque e no circo. Diversões que uma criança normal tem direito a vivenciar na infância.

Em 1967, ao completar 05 (cinco) anos, tive minha primeira experiência com a escola. Fui matriculada no Jardim da Infância, com uma professora particular – Dª.Benedita Malaquias – a professora mais famosa e rígida daquela época, mas considerada a melhor alfabetizadora da cidade. Com ela se aprendia a ler, escrever, bem como boas maneiras e o respeito aos mais velhos.

Em 1971, fui matriculada na 1ª série do ensino primário na Escola Estadual Castro Alves, instituição em que passei todo meu período primário. Lembro-me bem, da diretora, Dª Zelita, que não se furtava em humilhar e expor os alunos a constrangimentos e atos discriminatórios e racistas, embora acreditasse ser uma forma de demonstrar carinho, amor e até mesmo cuidado com os mesmos. Escola tradicionalista, de ensino rígido.

Em 1975, aprovada com êxito no primário, fui matriculada no ginásio, momento de euforia e de grande expectativa, pois o nosso município tinha construído conjuntamente com o Governo Estadual a famosa Escola Polivalente. Qual aluno daquela época não sonhava em ser aluno daquela escola? Era o sonho de todos... E lá fui matriculada. Por quatro anos passei de uma sala a outra, pois as turmas, a cada ano, ganhavam uma nova sala, prova de sua aprovação na série posterior e peso na hierarquia das turmas e junto aos colegas.

Em 1981, comecei uma nova etapa: matricula do 2º grau. Começava o dilema na escolha do que cursar. Estávamos no momento dos cursos técnicos e tínhamos uma infinidade de áreas para escolhermos. Fiquei muito motivada em fazer o curso de Saúde, mas também existia Mecânica e Técnico em Administração. Lógico, matriculei-me no Curso que acreditava a época, ser o de maior status, o de Técnico em Administração em Empresas. Acreditava que ao concluí-lo, as portas das ‘Multinacionais’ estariam abertas para mim. Doce engano! Após 03 (três) anos exaustivos terminei o curso e desempregada. Como sempre adorava estudar, matriculei-me em um Curso de Edificações, que até hoje, não entendi porque e nem tampouco para que servia. Para a nossa falta de sorte, minha e dos colegas, o mesmo não durou um ano e perdemos todo o dinheiro investido.

Em 1983, conclui o 2º Grau, como Técnica em Administração de Empresas, consegui um emprego, como secretária, em uma Empresa de Esquadrias e Móveis passei por lá um ano, mas não suportando a falta de respeito com que eu e quase todos os empregados, éramos tratados pelo proprietário, resolvi, então, pedir demissão. Logo em seguida, me vi trabalhando na área de saúde, tornei-me atendente hospitalar, ou seja, uma faz tudo: recepcionista, telefonista, faxineira, auxiliar de enfermagem, etc. Nada de Técnica em Administração.

Em 1988, prestei exames para meu primeiro vestibular: decepção! Não havia me preparado e acabei por ser reprovada na prova objetiva para o Curso de Letras.

Em 1989, após deixar de trabalhar e ter tido meu primeiro filho, resolvi retomar minha vida de estudos. Procurei o Colégio em que havia concluído o 2º grau e solicitei matricula no Curso de Magistério, para minha felicidade, pois me apaixonei pelo curso, sendo este definido por mim como um curso de vida. Naquela época, os alunos que haviam concluído o 2º grau, tinham o direito de entrar, já, direto no 2º ano de qualquer curso. Ao começar o estágio de observação, fui convidada a substituir uma professora que saíra de licença maternidade. Adorei a nova experiência, principalmente para quem jamais se imaginou em uma sala de aula e muito menos tornar-se professora. Meu sonho de infância era ser médica. Neste ínterim, fui obrigada a parar o curso de magistério, pois além de estar trabalhando,ficara grávida de meu segundo filho.

Em 1991, nasce o meu segundo filho e retomo meus estudos no curso de magistério, já no 3º ano. Muitas vezes os levava para o Colégio em razão das dificuldades com as babás. Mesmo assim, nada me impedia de continuar estudando e trabalhando. Final de ano, mês de dezembro, lá estava eu, concluindo o curso de magistério, tornando-me professora primária. Neste mesmo ano fui contratada, pelo Município, como professora primária nas séries iniciais, em que passei muito pouco tempo. Entro para o movimento sindical, torno-me dirigente do Sindicato dos Professores.

Em 1993, deixo as séries iniciais e passo a ministrar aulas de Português nas últimas séries do Ensino Fundamental. Com uma dupla jornada, me desdobrava em dois turnos em salas superlotadas, mesmo assim sentia-me em casa, pois amava o que fazia. Era como, se esta fosse à profissão dos meus sonhos, o que sempre desejei para a minha vida. Sentia prazer em ministrar aulas.

Em 1997, em virtude da lei, todos os funcionários contratados de forma irregular foram demitidos, eu e mais 1.199, estávamos dentro deste contexto, mesmo assim, continuamos prestando nossos serviços ao município através de uma empresa terceirizada.

Em 1998, o município realiza seu primeiro Concurso Público, fui aprovada, tornando-me funcionária estatutária para o cargo de professora, função que continuo exercendo nas últimas séries do ensino fundamental. Dai me vi obrigada a fazer uma graduação, não só para me qualificar, enquanto profissional, mas para me realizar enquanto pessoa. Após a primeira tentativa, lá atrás no ano de 1988, dez anos depois, retomei minha luta por uma vaga em uma Universidade Pública.

No final de 1998, prestei Concurso Público em outro município para atuar, também, como professora. Aprovada e empossada, passo a ministrar aulas de Português não só para o Ensino Fundamental, como também para o Ensino Médio e o Curso de Magistério. Aumenta a necessidade de me qualificar.

Em 2003, após seis tentativas, fracassadas, de ingressar em uma Universidade Pública, finalmente me vejo aprovada em duas. Primeiro presto exames vestibular para uma Instituição Pública, conveniada com o município de Prado, e sou aprovada para o Curso de Pedagogia, logo em seguida presto vestibular em uma instituição particular para o Curso de Direito. Qual não foi a minha surpresa, fui à aprovada nas duas.

Ano de 2003 tido como o marco zero de minha trajetória acadêmica. Começa minha caminhada, matriculei-me no Curso de Pedagogia, pela Rede UNEB, em que cursei até o mês de fevereiro de 2003, entretanto, em razão do deslocamento de minha cidade para o outro município vizinho, me vi obrigada a desistir do curso. Em seguida, aprovada no Curso de Direito, pelo CESESB/FACISA, cursei-o até o ano de 2004, sendo obrigada a trancá-lo por um semestre em virtude de problemas de ordem familiar. Ainda em 2003 fui selecionada pelo PROUNI para o Curso Normal Superior.

Em 2005 recomeço o Curso de Direito e para acompanhar minha turma inicial, me desdobro adiantando disciplinas.

Em 2006, assumo a Secretária de Administração do meu município e afasto-me por 11 meses da sala de aula, mas continuo fazendo o Curso Normal Superior, Direito e ainda matriculo-me no Curso de Letras. Ao final de 2006 resolvo trancar o Curso de Letras, pois tenho que preparar minha monografia dos dois cursos, está chegando o grande momento: apresentação do projeto, defesa monográfica e colação de grau.

Ano de 2007, creio que foi o momento mais esperado de toda a minha trajetória estudantil, não digo que o mais importante de minha vida, mas de um significado indecifrável, pois não consigo descrever a felicidade que sentia e ao mesmo tempo a tristeza em razão de inúmeras ocorrências pessoal, para que este momento não se concretizasse. No dia 21 de dezembro, sentia uma tristeza enorme, um vazio, que até hoje, não consigo descrever, mas lá eu estava para colocar grau e ser graduada bacharela em Direito, lá também, me fiz licenciada no Curso Normal Superior pela UNOPAR.

Ano de 2008, atualmente continuo professora das últimas séries do ensino fundamental nos dois municípios, mesmo sendo bacharela em Direito,continuo apaixonada pela educação e continuo estudando,termino em agosto de 2008 a outra licenciatura em Pedagogia, estou cursando três especializações, uma na área do Direito e duas na área da Educação e ainda pretendo cursar Psicologia Clínica e fazer um mestrado e quem sabe até um doutorado.

Sonhei toda a trajetória de minha vida. Tracei metas a serem alcançados e objetivos a serem atingidos. Acreditei que era possível transforma dificuldades em certezas e tristezas em alegrias, crendo que isso só seria possível e viável através da educação. Sou uma brasileira, negra, nordestina, de família classe média e consegui vencer, porque creio e vou continuar crendo que o processo de transformação e evolução de qualquer Nação e de todos os cidadãos perpassa pela escolarização.

As desigualdades sociais são o apanágio do limiar do novo milênio. Exigindo uma transformação radical na cultura dos membros da sociedade. Com efeito, a educação, ao contrário de outrora, reveste-se de força, deixa de ser privilégio de alguns, tornando-se uma das ferramentas de promover as almejadas transformações. A educação é indubitavelmente a ferramenta mais hábil para promover as almejadas transformações sociais.

Não é possível refazer este país, democratizá-lo, humanizá-lo, torná-lo sério, com adolescentes brincando de matar gente, ofendendo a vida, destruindo o sonho, inviabilizando o amor. Se a educação sozinha não transformar a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda.

(Paulo Freire)

Lu Pereira

Um comentário:

  1. Trajetória de vida exemplar. Gostei de ler essas memórias. A luta, a garra, o tudo.

    Parabéns.

    Lustato Tenterrara

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